Bando De Cá
Tudo e um pouco a mais


domingo, 15 de setembro de 2002  

Tão simples como possa parecer ele acreditava no Amor. Quanto ao resto das coisas idiotas deste mundo idiota tinha suas restrições. As pessoas mentem tanto, traem tantas vezes e decepcionam a todos os momentos, dizia, as vezes acho difícil confiar em alguém. Mas isto não o fazia desacreditar no Amor, apenas fortalecia sua convicção da necessidade que tinha de amar, por que para ele fora isto nada restava senão idiotices. Para cada traição, mentira e decepção que sofria costumava inventar teorias. Houve a “teoria do zíper miocárdico” que dizia que cada amor não correspondido cortava o coração e que com o tempo aparecia no buraco um zíper que juntava os pedaços separados, dizia ainda que era muito mais fácil abrir um zíper do que fazer um novo corte no coração. Criou também a “teoria das correntes dispersas do destino” que dizia que as pessoas são pedaços de papel que voam ao sabor dos ventos e que só permanecem juntas em quanto o vento assim o permite. Para ele não haveria nenhum pedaço de papel igual a outro e o vento, quando percebia esta diferença, separava os dois pedaços que estivessem juntos, por isto o grande lance desta teoria era que quanto mais parecidos fossem os pedaços de papel mais tempo se conseguiria enganar o vento. Mas eram apenas teorias de um romântico ou talvez uma forma de auto-consolação. Embora não fosse do tipo que desanima fácil, com o tempo pude perceber em seu rosto uma certa tristeza, um ar melancólico. Alguns arriscaram o palpite de que ele precisava de uma garota, mas aqueles que o conheciam tão bem quanto eu o conheci sabiam que haviam mulheres em sua vida, mas não havia entre elas a mulher de sua vida. Era triste mas simples sutilezas gramaticais envolviam os complexos sentimentos humanos do meu amigo.
Restam algumas coisas importantes a serem ditas sobre ele. Nunca vi alguém se apaixonar tão rápido. Para ele todas as mulheres tinham o potencial para serem a mais especial que ele já conhecera, tinha até uma teoria que explicava isto. Para todas elas se desmanchava em versos e rosas. Nunca vi textos tão profundos serem escritos para mulheres tão superficiais. Mas ele era assim, tinha um péssimo faro para bons relacionamentos e um bom gosto musical. Quando escurecia ouvia Neil Young e James Taylor e nunca assistia os Jornais.Tinha características pouco comuns hoje em dia. As vezes falava sobre coisas estranhas, desconexas ou mesmo infantis, nunca lhe disse mas sempre achei que ele ainda acreditava na Terra-do-Nunca. Era capaz de trocar o futebol com os amigos pela leitura de um bom livro. Gostava muito de escrever e chegou a escrever alguns bons textos, inclusive algumas dissertações sobre o amor.
Um dia sumiu. Algumas pessoas dizem que se deu conta de que não havia amor na Terra, outras dizem que se cansou de procurar algo de bom no Mundo e simplesmente desapareceu. Não acredito nisto. Gosto de pensar que num dia comum ele foi ao cinema, sozinho como costumava fazer, e sentou-se sem querer ao lado de uma pessoa incomum, que por acaso era a mulher da sua vida. Acho ainda que pela primeira vez em sua vida assistiu a um filme que teve um final feliz.

posted by Anônimo | 8:52 AM


quinta-feira, 12 de setembro de 2002  

LEITURAS DIVERSAS

Recentemente andei lendo umas coisas e vou comentar rapidamente. Tem livros, quadrinhos e até roteiro de cinema.

- CANTO DOS MALDITOS, de Austregésilo Carrano: livro que serviu de base para o filme BICHO DE SETE CABEÇAS. Ganhei numa promoção e tive bastante sorte, já que o livro está proibido nas livrarias. O livro foi cassado pelos familiares de pessoas que tiveram o seu nome "denegrido" pelo escritor. Carrano fala o nome do tal Dr. Alô Guimarães o tempo todo a fim de extravazar um pouco a sua raiva por ter sido internado, drogado e eletrocutado num hospício fedorento. O livro não é tão fluido quanto o filme, mas é mais detalhista e esclarecedor. Vale procurar no mercado negro.

- O ANTICRISTO, de Friedrich Nietzsche: outro livro raivoso. O alvo dessa vez é o cristianismo e o filósofo polêmico e pouco convencional não perdoa ninguém, nem mesmo o apóstolo Paulo. Um livro muito bom, apesar de eu achar bem radical. Mas a linha de pensamento e o entusiasmo raivoso de Nietzsche é o que importam nesse caso. Na verdade, ainda faltam algumas páginas pra eu terminar.

- DYLAN DOG nº 1 - Editora Mythos (HQ): Pena a qualidade do papel não estar à altura das 6 edições publicadas pela Conrad. Eu preferiria continuar pagando 1 real a mais e ter um papel de qualidade do que pagar R$ 4,90 por esse papel ruim. Vale pelas histórias do personagem italiano que inspirou o ótimo filme DELLAMORTE DELLAMORE. Mistério, terror, humor e personagens que conquistam. Nessa edição, é desvendado o mistério de Morgana e detalhes sobre o pai de Dylan.

- MARVEL APRESENTA: WOLVERINE E HULK (HQ): Os desenhos de Sam Keith estão sensacionais nessa revista. E parece que ele aprendeu muito do tempo que ele trabalhava com Neil Gaiman. O tom de fábula surrealista está presente em toda a revista. Tudo parece um sonho. A garotinha que deve estar morta, Wolverine caindo de um teco-teco e encontrando Hulk, o ponto de vista da garotinha. Algumas vezes, Keith imita desenhos de criança. Ficou bem legal.

- AURÉLIA SCHWARZENÊGA, de Carlos Reichenbach e Fernando Bonassi (roteiro): roteiro disponibilizado pelo próprio Reichenbach em sua coluna semanal no Cineclick. Eu imprimi na empresa em uma impressora laser frente e verso e mandei encadernar. Ficou legal pra se ler. Leitura ótima e que ajuda a gente a ficar ansioso pra ver o resultado final nas telas. Reichenbach toda semana está trazendo notícias das filmagens no Cineclick. É a oportunidade de acompanhar a produção de um filme de um dos melhores diretores do nosso cinema. E é de graça.

posted by Ailton Monteiro | 3:00 PM


quarta-feira, 4 de setembro de 2002  

Ainda sobre o Cidade de Deus. Acho que por mais interessante que seja atrair a atenção do estrangeiro, isso acontece através de uma anomalia. Explico, chama a atenção não por apresentar uma linguagem própria, identificada com a realidade latino-americana, e sim através da imitação do modelo imperialista do cinemão americano. Aí eu acho uma merda, fico imaginando os críticos americanos lá na deles: "olha só como eles aprenderam direitinho..."

Cinematografia latino-americana por cinematografia latino-americana, prefiro a Argentina, que pelo menos é menos americanóide.

E quanto à narração do menino, não acho que seja condizente com a realidade que o filme quer retratar. Se vocês prestarem atenção, o garoto parece que está sempre narrando em ritmo de brincadeira, mais ou menos assim: "aí, o Pequeno jurou que ia matar o Cenoura, mas o Cenoura era legal pra caramba e esperto também..." Porra, o tema é sério ou não é, caceta?! Esse tipo de alívio cômico (que acontece TODA A HORA) me ficou cheirando a concessão para platéia que não consegue ficar 10 minutos agüentando uma narrativa densa.

posted by Anônimo | 12:49 AM


terça-feira, 3 de setembro de 2002  

Um comentário rápido sobre o filme BEIJANDO JESSICA STEIN (dessa vez, exclusivo para o Bando de Cá).

No domingo à noite fui conferir um filme que conta a história de Jessica (Jessica Westfeldt), uma garota que não consegue ficar com ninguém durante muito tempo. Ela é exigente, sempre vê os defeitos das pessoas. Um dia decide responder a uma anúncio de alguém que atraiu-lhe a atenção. Ficou encucada, já que a pessoa era outra mulher, mas resolveu marcar o encontro. A cena que mostra o primeiro encontro das duas ficou muito legal. Inclusive, a outra, a atriz Heather Juergensen é a cara da Marina Person. (Só que a Marina é mais bonita.) Ao mesmo tempo, um rapaz que trabalha com Jessica (e ex-namorado da moça) anda bastante interessado na curiosa. Mas o mais bacana de tudo foi o final, não tão gay quanto imaginava-se que fosse. Quando as luzes se acenderam deu pra ver a cara de desaprovação do público gay da sala. Hehehehe. Filme indicado a turma que curte ver mulheres se beijando. Estou pra conhecer um cara que não curta.

posted by Ailton Monteiro | 5:37 PM
 

Já que o Fabiano postou um comentário pendendo para o negativo de CIDADE DE DEUS, estou enviando uma defesa do filme. Bom mostrar dois lados, né?

Fernando Meireles foi o diretor de um dos filmes brasileiros mais odiosos que eu já tive o desprazer de ver - DOMÉSTICAS, O FILME. Esse filme deu um mal estar desgraçado de ver, já que o cinema há tempos deixou de ser diversão popular. Ver um monte de dondoca e mauricinho rindo de empregadas, sempre mostradas como burras e feias, foi de doer. Por isso, fiquei achando que eu não ia gostar desse CIDADE DE DEUS, do mesmo diretor.

Mas que nada. CIDADE DE DEUS é um filme-acontecimento. Uma maravilha narrativa. O modo como ele mostra o comércio ilegal de drogas nas favelas (as bocas) chega a ser didático. Além de tudo, os personagens impressionam, alguns ganham a nossa simpatia (Bené, Mané Galinha e Buscapé) e outros despertam a ira (Zé Pequeno). Impossível não lembrar de OS BONS COMPANHEIROS e CASINO, ambos de Martin Scorsese. Assim como esses filmes, a narração em off do personagem Buscapé começa numa década e pára em outra, apresenta vários personagens e tem doses fortes de violência. A diferença é que não estamos em Nova York ou Las Vegas. Estamos numa favela carioca. Bem mais perto da gente.

Se vemos o filme dentro da sua proposta narrativa e não como uma tentativa de mudar o mundo, gostamos mais ainda dele. Sequências de violência assustadoras como a de Zé Pequeno atirando no pé de uma criança de 5 anos são de cortar o coração. Não dá pra esquecer de Buscapé sofrendo feito um condenado e ganhando uma mixaria tentando fugir do destino de quem geralmente habita a Cidade de Deus. Não dá pra esquecer da despedida de Bené. Não dá pra esquecer o bando de Zé Pequeno metralhando a casa de Mané Galinha. E nem dá pra esquecer que quem interpreta Mané Galinha é Seu Jorge, cantor que já morou na rua, feito mendigo.

O elenco, formado por gente da própria favela, está extraordinário. Mateus Nachtergaele está muito foda como o traficante Cenoura. Já até estou em dúvida se o melhor filme brasileiro do ano é esse ou O INVASOR. Sem falar que o nosso cinema está atraíndo novamente a atenção do mundo.

posted by Ailton Monteiro | 4:27 PM
 

Dois mestres, uma coincidência

Os mestres são John Ford e Fritz Lang dos quais vi Ao Rufar Dos Tambores e Vive-Se Só Uma Vez. A coincidência é que ambos tem Henry Fonda jovem no papel principal. Se for notar há outra, não sei se Fonda ainda não tinha nome, mas nos créditos dos dois filmes quem recebe destaque é as atrizes, Claudette Colbert e Sylvia Sidney. Colbert é ótima e Ford tira dos dois grandes interpretações. O filme de Ford tem um tom patriótico principalmente no final e uma brutalidade por parte dos índios. O de Lang é uma tragédia americana, lembrando por vias tortas O Homem Errado de Hitchcock, de novo com Fonda, em ambos o personagem consegue a liberdade de uma forma ou de outra. Os ângulos e a ambientação de Lang ainda estão bem impregnados do expressionismo alemão seja na neblina da penitenciária, nas sombras das grades ou na fumaça do assalto.

Este mês há um mini-festival Henry Fonda no Telecine Classic.

posted by RENATO DOHO | 11:50 AM
 

Venho agora do "Cidade de Deus", o grande acontecimento cinematográfico da temporada. O grande problema é que não podemos discutir este filme apenas sob a ótica da boa direção, da boa montagem, do bom roteiro. É preciso inseri-lo na conjuntura social e política que favorece a criação de tais obras. Enquanto espetáculo técnico, é um grande filme (tirando os abusos video-clipe para agradar um público viciado em maneirimos de montagem), indiscutível a boa direção e o roteiro bem resolvido. Discutível, entretanto, a proposta ideológica. Se é um filme "engajado" (termo criado para amainar a culpa dos abastados), o que exatamente ele denuncia? Ao meu ver, denuncia apenas o que todos já sabem. Aposto mais na hipótese de ser "Cidade de Deus" um filme que procura lucrar com a glamourização da violência. Tomemos como exemplo a reação do público na saída da sessão: na sua maioria, saem entretidos, felizes de terem visto um filme que se usa de uma estética imperialista (a do cinema americano: vide Pulp Fiction, Assassinos por Natureza) para divertir o espectador. Ninguém sai do cinema questionando a questão da violência urbana, da desigualdade social, da concentração de renda. Ouvi gente dizendo: "até que enfim o cinema brasileiro tá melhorando". Aaaaahhhh, quer dizer que só melhora quando imita Matrix, na ridícula sequência de abertura.

Cinema engajado não rima com cinema pipoca. O que Fernando Meireles e Kátia Lund conseguiram fazer é um filme que traz a estética da violência ao alcance da classe média que tem grana para pagar R$12,00 o ingresso do cinema. E que, aliás, chega em casa e hipocritamente puxa um fumo discutindo sobre o quão absurda está a violência urbana.

Pois vão ver "Rocha que Voa" do Erik Rocha, ou qualquer filme do Eduardo Coutinho, pois "Cidade de Deus" é só Prozac em película.

PS.: Este post se encontra originalmente no meu blog pessoal, Contos do Submundo. A intenção não é fazer propaganda do meu blog, mas, primeiro, avisar que este post já existia em outro lugar, e, segundo, saber se vocês preferem que eu não coloque comentários do meu blog aqui. É óbvio que só farei isso quando forem comentários sobre livros, filmes e afins, e nunca coisas pessoais.

posted by Anônimo | 1:22 AM


domingo, 1 de setembro de 2002  

Acabei de ler ontem A Mulher Mais Linda Da Cidade do Bukowski (tá tendo uma treta com relação a esse livro nas escolas públicas do país) e continuo a leitura de A Vida Sexual De Catherine M. de Catherine Millet; ambos fazem o mesmo com coisas diferentes - a bebida para Bukowski é tão comum e constante como o sexo para Millet. Ao menos em Bukowski não é a bebida exatamente o centro de atenção de tudo, enquanto todos os detalhes das orgias de Millet se fazem presentes em cada linha do livro. Invertendo um pouco, o conto Curra, Curra do livro do Bukowski é exemplar seja o fato descrito real ou fictício.

posted by RENATO DOHO | 9:23 PM
Site Meter
links
archives
Older Posts Home Newer Posts